quinta-feira, 13 de março de 2014

Pacífica

  
Ei menininha, não chora! O sol está raiando e a vida continua. Eu sei que dói. Calma! Afinal, qual casal nunca planejou um futuro e deu até nome aos futuros filhos e cães? Acreditaste que era para sempre, né? Queres saber? Não erraste. Fazer planos dá outro gosto à vida. Queres saber de outra coisa? Tu ainda vais te apaixonar outras mil vezes e farás planos com outras pessoas e até rir se ele sugerir que o nome do cão de vocês seja Apolo enquanto esse era o nome do teu filho em relacionamentos passados. Só rir, entende? Ver algo engraçado em algo que um dia te trouxe tantas felicidades e em outras horas te trouxe dor.

 

Desde já aviso, menininha. Vai doer. Vai doer quando tu encontrares na tua gaveta aquele par de meias furadas dele que te fará viajar até aquela tarde chuvosa que os teus pés se enroscaram no dele e se namoraram. Vai doer tu teres que explicar para a tua mãe que não precisa colocar um quarto prato na mesa porque teu amado não irá se fazer presente no jantar de domingo. Vai doer possivelmente ver ele na rua dando aquele sorriso que tu tanto amas para outra pessoa que não tem noção do presente que está recebendo. Vai doer encontrar ele semanas depois para entregar os objetos que ficaram na casa um do outro e sentir o quão estranho é ter que agir como não conhecesse aquela pessoa que tu conheces até aquela cicatriz insignificante que a outra ainda nem teve tempo de conhecer e provavelmente nem conheça, porque talvez ela nem seja tão observadora quanto tu és. A dor vai passar. Passa e fica. Pacifica. Passa a dor e ficam as lembranças. Um dia, após tanto tempo, talvez tu te encontres com ele em um café e ele repare que tu já não amarras mais o cabelo do mesmo jeito ou não. Ele nunca notou isso, não é? Mas ainda assim, por descuido ele arrisque dizer que algo está diferente em ti e tu vais rir e elogiar sua atenção. Vão ver que não só mudaram as estações, como também vocês. Tu cresceste e deixaste de ser aquela efusiva que dizia o quanto amava a cada segundo. E ele talvez tenha se transformado em um carente que só precisa de alguém que diga o quanto o ama. Ali estará aquele cara que te fez chorar quando foi embora. Ali o grande amor da tua vida sentado no outro lado da mesa. Ali os dois que um dia tanto se amaram vivendo vidas diferentes e nem tiveram um filho chamado Apolo. Entendes o que eu quero te dizer, menininha? Tu acabas, mas algo fica. Não deixa a dor ficar e levar os bons momentos. Agarra ao que ficou de bom e expulsa a dor. Se há saudade é porque foi bom e se foi bom por que reclamar? Um dia eu também amei, menininha. O meu amor me ensinou que nenhum amor acaba, ele se transforma. Se me perguntares se ainda a amo, eu direi que sim. Não daquele jeito avassalador, mas eu a amo o suficiente em ficar feliz ao vê-lo feliz com outra. Então, menininha, transforme isso e lembre-se que o vento sempre sopra para a direção certa.

(M. Dornelles)

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