Ei menininha, não chora! O sol está
raiando e a vida continua. Eu sei que dói. Calma! Afinal, qual casal
nunca planejou um futuro e deu até nome aos futuros filhos e cães?
Acreditaste que era para sempre, né? Queres saber? Não erraste. Fazer
planos dá outro gosto à vida. Queres saber de outra coisa? Tu ainda vais
te apaixonar outras mil vezes e farás planos com outras pessoas e até
rir se ele sugerir que o nome do cão de vocês seja Apolo enquanto esse
era o nome do teu filho em relacionamentos passados. Só rir, entende?
Ver algo engraçado em algo que um dia te trouxe tantas felicidades e em
outras horas te trouxe dor.
Desde já aviso, menininha. Vai doer. Vai
doer quando tu encontrares na tua gaveta aquele par de meias furadas
dele que te fará viajar até aquela tarde chuvosa que os teus pés se
enroscaram no dele e se namoraram. Vai doer tu teres que explicar para a
tua mãe que não precisa colocar um quarto prato na mesa porque teu
amado não irá se fazer presente no jantar de domingo. Vai doer
possivelmente ver ele na rua dando aquele sorriso que tu tanto amas para
outra pessoa que não tem noção do presente que está recebendo. Vai doer
encontrar ele semanas depois para entregar os objetos que ficaram na
casa um do outro e sentir o quão estranho é ter que agir como não
conhecesse aquela pessoa que tu conheces até aquela cicatriz
insignificante que a outra ainda nem teve tempo de conhecer e
provavelmente nem conheça, porque talvez ela nem seja tão observadora
quanto tu és. A dor vai passar. Passa e fica. Pacifica. Passa a dor e
ficam as lembranças. Um dia, após tanto tempo, talvez tu te encontres
com ele em um café e ele repare que tu já não amarras mais o cabelo do
mesmo jeito ou não. Ele nunca notou isso, não é? Mas ainda assim, por
descuido ele arrisque dizer que algo está diferente em ti e tu vais rir e
elogiar sua atenção. Vão ver que não só mudaram as estações, como
também vocês. Tu cresceste e deixaste de ser aquela efusiva que dizia o
quanto amava a cada segundo. E ele talvez tenha se transformado em um
carente que só precisa de alguém que diga o quanto o ama. Ali estará
aquele cara que te fez chorar quando foi embora. Ali o grande amor da
tua vida sentado no outro lado da mesa. Ali os dois que um dia tanto se
amaram vivendo vidas diferentes e nem tiveram um filho chamado Apolo.
Entendes o que eu quero te dizer, menininha? Tu acabas, mas algo fica.
Não deixa a dor ficar e levar os bons momentos. Agarra ao que ficou de
bom e expulsa a dor. Se há saudade é porque foi bom e se foi bom por que
reclamar? Um dia eu também amei, menininha. O meu amor me ensinou que
nenhum amor acaba, ele se transforma. Se me perguntares se ainda a amo,
eu direi que sim. Não daquele jeito avassalador, mas eu a amo o
suficiente em ficar feliz ao vê-lo feliz com outra. Então,
menininha, transforme isso e lembre-se que o vento sempre sopra para a
direção certa.
(M. Dornelles)
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