quinta-feira, 31 de março de 2016

Qualquer coisa eu te ligo

Uma noite quente. Mesmo pro verão mais sofrido, aquela sexta-feira estava sendo impiedosa. Não tinha uma única brisa pra acarinhar os nossos rostos. Não tinha um ventilador desligado, um ar condicionado que não era imediatamente acionado. O verão, o clima de carnaval, os copos e latas de cerveja vazios, aquela risada alta e as conversas cheias de provocações fizeram com que eu quase esquecesse que era uma pessoa em recuperação.
Mais cedo, às cinco da tarde, eu havia ligado. Estava animada pra contar sobre o meu novo trabalho, mais do que satisfeita comigo mesma, eu estava eufórica. Eu queria compartilhar as boas novas. Eu queria compartilhar tudo com ele.
“Eu não sei... Qualquer coisa eu te ligo mais tarde” – foi a resposta ao meu telefonema animado. E eu não gostei do “qualquer coisa” , odeio “qualquer coisa” de todos os jeitos possíveis, eu quero que se dane o “qualquer coisa”. Mas quando uma mulher quer acreditar que existe amor onde não existe, passamos por cima de “qualquer coisa”. Respondi que tudo bem e fui para casa com aquele vazio geladinho no peito, que nada mais é do que seu corpo lhe mandando spoilers sobre uma dor não tão delicada que está por vir. “Furada, corra”, mas não. Não corri. E fiquei esperando um telefonema, sendo mais sadomasoquista do que a fã mais fervorosa do Mister Grey. Eu esperei. E esperei. E esperei.
O meu celular tocou. Não era ele. “Ah não”. Era alguém do meu novo trabalho me convidando pra conhecer um novo bar, provavelmente tentando me enturmar. Olhei para o relógio e já tinham se passado cinco horas desde o meu telefonema. Dez horas da noite e nada. Eu estava um caco. A realidade do “ele não está tão afim de você” estava me dando um tapa. Cruel. Mas eu não queria pensar sobre isso, queria postergar a dor. “Tudo bem, eu vou”. E numa forma infantil de protesto, não fui muito vaidosa. Vesti a minha camiseta velha da Amy Winehouse e um All Star verde e duvidoso. “Se for para gostarem de mim, vão ter que gostar de mim assim”. Tipo de pensamento revoltadinho de mulheres num momento revoltadinhas.
E essa foi a maravilhosa noite em que passei a acreditar em clichês. Sabe daqueles sobre o tempo, ou sobre “a vida se encarrega” ? Bregas, eu sei. Mas acontece que eu encontrei tipos esquisitões iguais a mim de um jeito totalmente não planejado. Parecia que eu conhecia aqueles caras que ainda tocavam guitarra e usavam camisetas de rock (melhores amantes) há muito tempo. Eu não precisava me preocupar em ser alguém, ou em pedir um drink mais delicado. E cada vez que eu dava a minha risada mais alta, eu não recebia olhares de reprovação, mas sim de curiosidade.
O meu celular tocou naquela noite sim. Era ele. De madrugada pedindo pra eu ir lá dormir na sua casa. Provavelmente não tinha conseguido nenhuma outra garota mais interessante. Eu desliguei sem nem responder e não atendi mais. Não atendi no dia seguinte e não atendi ele nunca mais.
Eu não havia desencanado, eu não estava fazendo joguinho, eu não havia me apaixonado instantaneamente por outra pessoa, eu havia desistido. Desistir é muito mais forte. Imagina você se tornar alguém que não vale mais a pena? Credo.
Após quase cinco anos, por algum motivo me lembrei daquela noite no último fim de semana. Lembrei que liguei mais muitas vezes quando não deveria ter ligado, respondi mensagens pra alguns paqueras quando não deveria ter respondido e esperei ligações daquele jeitinho suicida mais algumas vezes também. Mas eu nunca fui e nunca quero ser a pessoa que diz:
“Qualquer coisa eu te ligo”.



segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Não há outra igual a ela..

Ela tem a mania de prender o cabelo num coque alto quando fica nervosa para ganhar tempo, no entanto, ao longo da sua vida já perdeu noites em claro a pensar nos rapazes errados. Ela coça a ponta do nariz para distrair quando se sente envergonhada, mas expõe a cara sem qualquer vergonha se se sentir contrariada. Já se desfez da opinião dos outros para reduzir o peso da sua bagagem, não se preocupa em passar boas impressões. Ela é a causa, e não mera consequência. Ela é a razão da tua dúvida, do teu porto seguro e, por vezes, da tua dor. Mas quando te sentires cansado é também ela que te vai pedir para fazeres uma lista das três coisas boas que te aconteceram nas últimas 24 horas para te motivar a não desistires.

Ela gosta de reviver o passado, ainda que tenha criado os seus próprios desfechos em histórias que não tiveram fim. A vida ensinou-a a ser feliz superando obstáculos, transpondo limites, plantando gentilezas e colhendo maturidade, mas antes disso, a vida instruiu-a a ser forte. Por isso, tu nunca vais saber o suficiente a respeito dela além do que ela permitir mostrar. E quando tu te sentires inseguro sobre quem ela é, é ela também que te vai fazer lembrar, nos mínimos detalhes, do melhor momento que tiveram juntos nos últimos dias. Não há nada que ela tenha mais zelo do que a memória que guarda a sete chaves das melhores coisas que já viveu.
Tu nunca vais vê-la a fazer juras de amor enquanto ela não estiver feliz. Impulsiva, sim. Mentirosa, não. Tem um medo danado de trazer nas costas o fardo das promessas que não pôde cumprir. Ela não é do tipo que na hora da raiva fala o que for preciso para magoar, muito pelo contrário. Quanto mais calada estiver, mais tu te deves preocupar. Ela tenta, acredita em mim, como ela tenta engolir o seu coração a seco, mas ela vive entre a paixão e a loucura; e não consegue evitar nem uma, nem outra.
Ela vai escrever-te uma dedicatória em todos os livros que lhe deres e ter o prazer de criar piadas entre vocês como se fosse um forte pacto de sangue. Faz isso porque acredita que uma simples atitude – por menor que seja – ao se lembrar de alguém é o que mantém essa pessoa perto, independentemente da distância. Já aprendeu que felicidade é algo que vem a longo prazo, por isso não tem essa pressa de ser “prestável”, de se permite desistir de tentar acompanhar quem luta para se manter a andar em passos largos. Ela acredita que menos é mais e que ter poucos inimigos não é o mesmo que ter muitos amigos.
Ela não é dessas que acorda arrependida, que deixa a frase no ar. Ela é intensa, direta. Ela tem orgulho do que viveu, mas também do que não durou. Foi nesses tropeções que ela aprendeu quem merece realmente a entrega total dela. Pode errar inúmeras vezes, sentir-se derrotada e jurar de pés juntos que não vai passar por isso de novo, mas quando ela acerta, acredita em mim, não existe sorriso maior que o dela! Ela transborda, na sua consciência, a paz que muita gente busca por uma vida inteira. Coisa de quem já aprendeu a ter a alma leve, os sonhos fartos e o coração grato. Ela disse-te que tu podias ir quando quisesses, ficar com quem bem entendesses, ela deixou-te livre. Mas não disse que te esperaria voltar, então essa pode ser a tua única chance. Não há por aí outra igual a ela.